Renascimento do petróleo promete mudar mapa geopolítico da energia

Pico do petróleo

Novas tecnologias de exploração e novas formas de compreender os depósitos de petróleo e gás prometem revolucionar o mapa geopolítico da energia.

Imagine um mundo em que os Estados Unidos não se importam tanto com o que acontece no Oriente Médio – porque abastecer sua crescente frota de automóveis não depende de um combustível vindo do Iraque ou da Arábia Saudita. O poder da influente Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) está esvaziado. A Europa não precisa do gás russo e a China não está tão preocupada em financiar regimes africanos para garantir sua fatia da produção local de combustíveis fósseis.

O Brasil adquiriu recentemente uma microssonda iônica, um dos mais modernos equipamentos para geologia do petróleo. [Imagem: Australian Scientific Instruments]

Nesse mundo, os estudiosos não falam mais no “pico do petróleo”, quando o nível de produção atingiria um máximo e começaria inexoravelmente a declinar, e muitos já cedem aos cada vez mais fortes indícios científicos de que talvez o petróleo nem mesmo seja fóssil.

Petróleo e gás natural podem não ser fósseis

Pois não acredite que esse cenário esteja longe na realidade – na verdade, já estamos em uma transição para ele, garantem especialistas do setor.

De previsão a profecia

E os elementos dessa transição podem ser vistos no próprio discurso desses estudiosos, que já passaram a chamar suas “previsões” de poucos anos atrás de “estudos proféticos”, que devem obviamente ser esquecidos.

Agora entusiasmados com novas tecnologias, que permitem a exploração de reservas de gás e petróleo de difícil acesso, ou cujo produto precisa passar por processos químicos específicos antes de ser utilizado, ele traçam outros cenários.

Está começando a era dos combustíveis “não convencionais”.

Os estudiosos apontam que não só as fontes de petróleo e gás não devem se esgotar em um futuro próximo – como previam os tais estudos proféticos -, como a distribuição geográfica das novas reservas é muito mais democrática, o que favorece grandes consumidores.

“Até pouco tempo, eram dominantes as previsões de que os países importadores aumentariam sua dependência do Oriente Médio e não haveria solução para altos preços do petróleo,” diz o geólogo e economista Robin Mills, autor do livro O Mito da Crise do Petróleo (The Mith of the Oil Crisis) e consultor em Dubai.

“Com os avanços tecnológicos dos últimos anos, ganham força expectativas de que, ao menos no médio prazo, os preços dos combustíveis fósseis voltem a cair, países que eram importadores de recursos energéticos se tornem autossuficientes ou até exportadores e a OPEP seja mais pressionada a revisar suas práticas”, completou.

Novas tecnologias de exploração e refino

São muitas as tecnologias que estão ajudando a traçar um novo mapa da energia no mundo.

A começar pelas que permitem a exploração de petróleo em águas profundas – caso do pré-sal brasileiro.

Outro exemplo é o aproveitamento do petróleo arenoso – encontrado em Alberta, no Canadá – também só é possível graças ao aprimoramento de processos físicos e químicos que purificam esse petróleo de baixa qualidade.

A técnica que mais desperta entusiasmo, porém, é de longe a relacionada à exploração do petróleo e, principalmente, do gás de xisto, obtidos a partir da rocha de mesmo nome. Segundo o especialista do mercado de petróleo Daniel Yergin, trata-se da maior invenção da área de energia da década.

Em centros de estudos e consultorias especializadas, o termo “revolução do gás de xisto” já virou linguagem corrente, e a respeitada Agência Internacional de Energia (AIE) chegou a perguntar em um relatório no ano passado: “Estaríamos entrando na ‘era dourada do gás'”?

Uma simulação da formação dos reservatórios de petróleo e gás natural e do fluxo de carbono na Terra reforçou a teoria abiogênica do petróleo. [Imagem: Eric Schwegler/LLNL]

Revolução do gás de xisto

A causa do entusiasmo está relacionada aos bons resultados obtidos na exploração desse recurso nos Estados Unidos. Até 2008, os americanos importavam cerca de 13% do gás consumido no país do Canadá, segundo um relatório da consultoria KPMG.

Hoje, com a exploração das reservas de xisto, não só o país se tornou autossuficiente, como já pensa em exportar. Para completar, o preço do produto está caindo de forma acentuada, com os custos de extração cobertos pela venda de outros produtos químicos produzidos no processamento do gás.

Reservas de gás de xisto são exploradas na Pensilvânia, na Louisiana e no Texas e já representam 30% do consumo de gás no país. Já o petróleo de xisto é produzido em Dakota do Norte e no Texas.

“Nesse cenário, não é de se estranhar que hoje uma das grandes corridas tecnológicas nos Estados Unidos seja para desenvolver e aprimorar meios de transporte a gás, permitindo a redução do consumo de petróleo convencional”, diz Frank Umbach, especialista em segurança energética do Centro para Estratégias Europeias de Segurança, com sede em Munique.

As expectativas criadas por tais mudanças também ajudam a explicar por que a Argentina desapropriou neste mês a petrolífera YPF, controlada pela espanhola Repsol, que explorava as reservas de petróleo e gás de xisto nos campos de Vaca Muerta.

“A percepção de que essa nova fonte de combustível fóssil pode mudar significativamente a posição dos países no mercado de energia cria um senso de urgência com relação à exploração desses campos”, explica Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), em São Paulo. “A Argentina pedia mais investimentos para avançar nessa corrida, mas o governo continua limitando o preço cobrado pela energia internamente, o que reduz o interesse das empresas.”

Tecnologias cruciais

Duas tecnologias foram cruciais para viabilizar a exploração do gás de xisto.

A primeira é a técnica de perfuração horizontal, que permite o aproveitamento de reservas espalhadas por grandes áreas geográficas, mas pouco profundas.

A segunda é a de fraturamento hidráulico, que consiste no bombeamento de uma mistura de água, areia e produtos químicos para dentro dos poços de exploração. O impacto produzido por esse jorro de alta pressão produz pequenas fissuras nas rochas, liberando o gás que é canalizado para os dutos.

Esta tecnologia ainda é um tanto controversa devido justamente às fraturas nas rochas, que poderiam ocasionar tremores de terra.

Estudo confirma que perfuração, e não terremoto, causou vulcão de lama

A exploração de petróleo de xisto (na realidade, um óleo semelhante mas não idêntico ao petróleo convencional) é um pouco diferente. Às vezes esse combustível líquido é encontrado entre as rochas, mas em geral ele é produzido com o aquecimento do xisto.

Para o especialista em petróleo e energia Jed Bailey, da Energy Narrative, nos EUA, o que faz do xisto um dos motores de uma revolução na geopolítica da energia é a forma democrática como essas rochas estão distribuídas geograficamente.

Reservas desse material estão sendo encontradas de norte a sul do globo, em todos os continentes. Por enquanto, as maiores estão na China, Argentina, México, África do Sul, Estados Unidos, Canadá e Austrália, mas também há reservas na Colômbia, França, Polônia e Grã-Bretanha, entre outros países. No Brasil, a Petrobrás produz petróleo de xisto no Paraná.

Pires chama a atenção para o fato de que Estados Unidos e China, países que lideram o ranking de consumo de energia no mundo, também concentram algumas das maiores reservas. “O gás de xisto e todas essas outras fontes não convencionais alimentam as esperanças de importadores de energia de reduzirem sua dependência de exportadores problemáticos ou instáveis”, explica.

Para Bailey, no caso dos EUA, uma diversificação para além do petróleo tradicional poderia fazer com que, no longo prazo, houvesse menos justificativa e apoio político para interferências no Oriente Médio, por exemplo. “No entanto, isso não quer dizer que a região sairia de vez do radar americano, por causa da sua influência na formação de preços no mercado global de energia”, diz.

Fraturamento hidráulico

O fraturamento hidráulico é uma técnica de indução de rachaduras nas rochas que pode ter fortes efeitos colaterais ambientais – como terremotos, por exemplo. [Imagem: Mikenorton/Wikipedia]


Há algumas ressalvas importantes no que diz respeito a exploração desses combustíveis fósseis não convencionais. A primeira é a questão dos altos custos, que fazem com que a utilização de muitas dessas tecnologias só se justifique se os preços de seus produtos se mantiverem em um patamar relativamente elevado.

Um segundo porém é que o sucesso da exploração dessas novas fontes de petróleo e gás desanima a busca de fontes de energia renováveis e usos mais eficientes de energia. O petróleo não convencional é tão poluente quanto o convencional.

“E mesmo que o gás de xisto substitua o carvão e o petróleo, fontes de energia mais sujas, não deixa de ser uma fonte suja também, porque sua queima emite poluentes”, explica Bailey. “Além disso, com o preço do gás caindo, a energia eólica ou solar hoje parece cada vez menos vantajosa.”

No caso da exploração de gás de xisto, outro agravante é que ainda não há clareza sobre os riscos de contaminação do lençol freático pelos produtos químicos usados em sua exploração.

Também acredita-se que o gás liberado no processo de extração possa causar pequenas explosões subterrâneas e tremores.

Por causa dessas preocupações, a França foi o primeiro país a proibir as técnicas de fraturamento hidráulico, em julho de 2011, banindo até pesquisas nessa área.

Na Grã-Bretanha, grupos ambientalistas têm-se oposto a exploração de uma reserva em Lancashire, embora uma comissão no Parlamento tenha avaliado a técnica como segura. “Existe uma corrida por essas novas tecnologias por questões de conveniência econômica e interesses geopolíticos, mas isso não quer dizer que elas sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental”, diz Pires.

 

Fonte: Inovação tecnológica

Adilson Silva
Técnico de mecânica de precisão

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


um + 7 =